sexta-feira, 23 de outubro de 2015

JUIZ TIRA ROSINHA DA SANTA CASA.






                                                               Aluysio Abreu Barbosa, Marcus Pinheiro e Arnaldo Neto
                                                                                                                      Fotos: Tércio Teixeira

“A cantilena da Saúde Pública de Campos dos Goytacazes acaba de descortinar seu capítulo mais inusitado”. Assim foi aberta a decisão do juiz Elias Pedro Sader Neto, da 1ª Vara Cível, que suspendeu todos os efeitos do decreto municipal 272/2015, publicado em edição suplementar do Diário Oficial na última terça-feira — com o qual a prefeita Rosinha Garotinho (PR) tomou o controle do hospital — e devolveu a Santa Casa de Misericórdia à junta interventora, que havia sido nomeada pela Justiça. A decisão do juiz foi tomada na quarta-feira, menos de dois dias após a ocupação rosácea, mediante comunicação do promotor estadual Leandro Manhães. Na quinta-feira da semana passada, a junta interventora suspendeu novas internações de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) na Santa Casa alegando atrasos, por parte da Prefeitura, de repasses federal e municipal. A dívida, segundo a junta, é de R$ 7,5 milhões.

Para cumprir a decisão, uma oficial de justiça, com o apoio do 8º Batalhão da Polícia Militar (BPM), realizou uma ronda de busca e avaliação nas dependências e devolveu a gestão administrativa aos interventores João Carlos Borromeu, Leonardo Ferraz, Rui Grain e Paulo Cassiano. Neste período em que Rosinha tomou o hospital, uma senhora transferida pela Prefeitura à Santa Casa não suportou a doença e morreu, além de fornecedores anunciarem a suspensão dos serviços por temerem não receber.

Elias Pedro considerou a ocupação da Santa Casa ilegal e teatral, ignorando o fato de o hospital se encontrar sob intervenção judicial desde o mês de dezembro de 2014. “Com roteiro venezuelano, ignorando a autoridade do poder Judiciário, a prefeita editou decreto de requisição temporária do referido nosocômio (hospital)”.

O juiz relatou que no quarto “considerando” do decreto assinado por Rosinha está escancarada uma confissão, “no sentido de que a Saúde Pública, por ela gerida há quase sete anos, se encontra em situação de calamidade pública”. Elias Pedro cita ainda o sucateamento dos hospitais municipais Ferreira Machado e Geral de Guarus, motivo pelo qual a prefeita prefira se utilizar dos hospitais privados e filantrópicos, “aos quais paga quando e quanto deseja”.

Ao falar sobre pagamentos em atraso para unidades de saúde em Campos, o juiz fez um paralelo com grandes obras da Prefeitura. “A possibilidade financeira do município deve ser aferida a partir do enterro dos R$ 17 milhões com a construção da bizarra ‘Cidade da Criança’, dos mais de R$ 80 milhões com o subutilizado Centro de Eventos Populares (Cepop) e dos R$ 18 milhões anuais gastos com parques e jardins”.

Prefeita, secretários e demais gestores da Saúde Pública municipal foram advertidos a se absterem de praticar qualquer ato contra a Santa Casa ou a junta interventora, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e criminal. A Prefeitura já informou que vai recorrer da decisão da 1ª Vara Cível de Campos no Tribunal de Justiça.

Tropa rosácea abriu as portas na marra

Na última terça-feira, mesmo dia em que a Folha publicou o contraditório sistema público de Saúde de Campos, que comporta, ao mesmo tempo, leitos hospitalares vazios (por falta de recursos financeiros para manter pacientes) e hospitais superlotados, com pessoas sendo mal atendidas e chegando à morte em macas nos corredores — como aconteceu com Leire Daiane Fonseca, que morreu no Hospital Geral de Guarus (HGG) sem receber monitoramento ou atendimento adequado —, a prefeita Rosinha decretou a entrada de pacientes do SUS na Santa Casa de Misericórdia, onde cerca de 80 leitos estariam vazios devido à suspensão de novas internações, em face de possíveis atrasos nos repasses.

Rosinha teria seguido uma determinação do secretário municipal de Governo, Anthony Garotinho, para que, junto com o procurador-geral do município, Matheus da Silva José, acompanhados de força policial, forçasse a entrada dos doentes. O promotor estadual Marcelo Lessa também esteve presente no apoio direto a mais uma ação de força do governo. Por outro lado, colega de Lessa na Tutela Coletiva de Campos, do Ministério Público Estadual (MPE), o promotor Leandro Manhães disse que a atitude da prefeita foi “arbitrária” e tomou a iniciativa de levar o caso ao conhecimento do juiz Elias Pedro Sader Neto, da 1ª Vara Cível de Campos, que decidiu pela recondução da Santa Casa à junta interventora.

Fornecedores retomam serviços ao hospital

A junta interventora da Santa Casa quebrou o silêncio e, diferentemente do que a prefeita Rosinha revelou em coletiva na última terça, afirma: “A Prefeitura está em atraso sim! A dívida do município com o hospital, referente ao período de janeiro a agosto deste ano, ultrapassa os R$ 7 milhões. No entanto, nenhum dos 45 pacientes encaminhados nos últimos dois dias será devolvido às unidades de origem. Todos os que estão aqui dentro serão atendidos normalmente”.

De acordo com o interventor Leonardo Ferraz, a soma devida à entidade é relativa a verbas federal e municipal. “O hospital precisa receber o que produz. Hoje, a Santa Casa se encontra em uma situação financeira caótica, com dívidas geradas em gestões anteriores orçadas em R$ 40 milhões. Os repasses não podem ser entendidos como benesses”, declarou o interventor.

Ainda segundo Leonardo, em 15 dias será feita uma nova avaliação do quadro financeiro do hospital e, caso a Prefeitura não execute o devido aporte financeiro, existe a possibilidade de novas suspensões nos serviços ofertados através do SUS. Por decisão da junta, novas internações serão aceitas nestes próximos 15 dias, até que seja recalculado o valor da dívida da Prefeitura com o hospital por serviços já prestados.

Após a retirada de representantes da Prefeitura da administração da Santa Casa, por determinação judicial, fornecedores voltaram atrás e retomaram os serviços ofertados ao hospital, paralisados depois da imposição do decreto.

Prefeitura vai recorrer ao Tribunal de Justiça

Após a decisão judicial que reintegrou os bens e os serviços da Santa Casa à junta interventora, a Prefeitura de Campos informou, em nota, que vai recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O procurador-geral Matheus José afirmou, na tarde dessa quinta-feira (22), que ainda não tinha sido notificado.

“O Decreto 272/2015 seguiu os preceitos da Lei Federal 8080, requisitando bens e serviços da Santa Casa de Misericórdia, que suspendeu o atendimento à população pelo SUS. O decreto municipal não retirou da Junta Interventora nomeada pela Justiça a responsabilidade de gestão do hospital e apenas viabilizou o retorno da internação de pacientes e atendimentos pelo SUS. O procurador Matheus lembra que a Santa Casa de Misericórdia recebeu mais de R$ 29 milhões da Prefeitura em 2015, sendo que mais de R$ 3 milhões foram repassados na semana passada”.

Embora a nota diga que não tenha retirado da junta interventora nomeada pela Justiça a responsabilidade de gestão do hospital, o decreto dispõe sobre “a requisição administrativa do hospital, visando à manutenção da assistência médico hospitalar no município”.

A situação foi acompanhada durante todo o dia (aqui) pelo blog Opiniões, do jornalista Aluysio Abreu Barbosa, na Folha Online.

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